Caminho certo?


De cada vez que as SAD de Porto, Benfica e Sporting apresentam contas, sejam eles trimestrais, semestrais ou anuais, tenta-se encontrar explicação para os cada vez piores resultados dos três grandes. Nesta altura é frequente haver erros análise, perfeitamente desculpáveis quando a nossa comunicação social carece de indivíduos com conhecimentos de contabilidade e economia e é a primeira a tirar conclusões precipitadas e erróneas sobre as contas. Assim, antes de passar ao tema específico deste post, importa, a exemplo do que tem vindo a ser feito noutros blogues desmistificar algumas ideias erradas sobre as contas de uma empresa, nomeadamente de uma sociedade desportiva:

  1. O resultado líquido, isto é, o lucro ou o prejuízo de uma empresa não é igual à diferença entre entradas e saídas de dinheiro. Os rendimentos e os gastos que formam o resultado líquido de uma sociedade são contabilizados quando ocorre a transacção, e não quando ocorre uma transferência de dinheiro. É evidente que, muitas vezes, estes dois momentos ocorrem ao mesmo tempo. Quando vamos jantar fora, ao cinema ou ao supermercado, pagamos no momento em que efetuamos a compra. Todavia, quando compramos um bem a prestações, como seja um frigorífico ou uma máquina de lavar, a empresa que nos vende esse bem, regista essa venda, (um rendimento), quando emite a factura e nós o trazemos para casa e não ao ritmo do pagamento das prestações. Mais ainda, é ainda possível e correcto que um gasto ou um rendimento seja contabilizado no momento a que diz respeito e não no momento da emissão da factura. Tudo isto demonstra que, o facto do Porto ainda ter dinheiro a receber da venda do Hulk, não tem qualquer influência no lucro ou prejuízo da SAD;
  2. Quando um clube contrata um atleta, este é "dividido" em dois: por um lado temos o homem, funcionário desse clube e por outro temos os direitos desse jogador, vulgo "passe". Os custos de aquisição desse atleta, não são imediatamente reconhecidos como gasto, mas sim ao longo do tempo, consoante o número de anos de contrato. Ou seja, se um atleta é contratado por 10 milhões de euros e assina contrato por 4 anos, o clube que o contratou deverá reconhecer 2,5 milhões de euros por ano, sendo que vão ser esses 2,5 milhões que vão influenciar os resultados em cada ano, na rubrica de amortizações. Isto faz sentido, porque quando um atleta é contratado, a sua utilidade para o clube que o contrata não se esgota na temporada em que ele é adquirido, mas sim durante todo o seu contrato;
  3.  Quando um atleta é vendido a outro clube, o valor que vai influenciar o resultado da época em que ele é vendido pode não ser, e normalmente não é, o valor pelo qual é vendido. De facto, do ponto 2, conclui-se que o atleta tem algum valor na contabilidade do clube em que joga. Daí, só se poder registar um proveito se o valor da venda exceder o valor que um atleta ainda representa na contabilidade. Pegando no exemplo do ponto 2, se ao fim do 2º ano de contrato, o atleta for vendido por 15 milhões, o valor (mais-valia) que vai influenciar o resultado do clube nesse ano é de apenas 10 milhões (15 milhões da venda, aos quais se deduz o valor que o atleta ainda possuía na contabilidade, que é os 10 da compra líquidos dos 2,5 reconhecidos  como gasto no 1º ano de contrato e dos 2,5 reconhecidos como gasto no 2º ano de contrato).
  4. Pode até acontecer que um atleta seja vendida e seja necessário reconhecer um custo, referente a essa venda. Isto ocorre se o valor da venda do passe do atleta ocorre por um valor inferior ao seu valor contabilístico. Se o atleta dos pontos 2 e 3 fosse vendido nas condições atrás enunciadas, mas por apenas 2 milhões de euros, o seu clube teria de registar um custo de 3 milhões de euros   (2M€-(10M€-2,5M€-2,5M€)=-3M€)
Ao contrário do registo que catapultou o Porto para o lugar de melhor negociador do Mundo, comprando muito barato e vendendo muito caro, a política tem vindo a alterar-se. Continuamos a vender caro, é certo, mas o preço que pagamos pelos atletas contratados é cada vez maior. Esta situação tem como consequência o aumento dos custos anuais, por via das amortizações e a diminuição dos proveitos referentes às mais-valias com as vendas, fruto dos atletas apresentarem um valor contabilístico mais elevado.

Um exemplo sintomático desta situação é o custo da nossa defesa. Durante anos a fio, os defesas do Futebol Clube do Porto custavam muito pouco dinheiro. Jorge Costa, Bruno Alves ou Ricardo Carvalho foram formados no clube. Bosingwa, Nuno Valente, Paulo Ferreira, Pepe, Cissokho, Rolando, Fucile, e até Álvaro Pereira ou Sapunaru foram imensamente mais baratos que Danilo, Otamendi, Alex Sandro, Reyes ou Mangala, sem que a qualidade da defesa tivesse sofrido grandes oscilações. Mais, a diferença de preços é tão grande que serve ainda para acomodar, com folga, todos os "barretes" que foram chegando, de Sonkaya a Nelson Benitez ou de Stepanov a Lucas Mareque.

Analisemos em pormenor os defesas mais caros:
  • Mangala custou 6,5 milhões de euros. O porto detém apenas 66,66% do passe. O valor de aquisição é portanto 4,33 M€. O contrato em vigor é de 5 anos;
  • Danilo custou 17,6 milhões de euros e assinou também por 5 anos;
  • Otamendi custou 8 milhões e também rubricou um vínculo contratual de 5 anos;
  • Alex Sandro custou 9,6 milhões de euros. Também ele assinou um contrato de 5 anos;
  • Diego Reyes custou 9 milhões por 95% do passe. Metade, (47,5%), foi alienada a um misterioso fundo, que até hoje não pagou um tostão, o que dá um valor de aquisição líquido de 4,5 milhões. O contrato, à imagem dos demais defesas analisados, é de 5 anos.
Assim sendo, apenas estes 5 defesas custaram cerca de 44 milhões de euros. Uma defesa de luxo em qualquer clube mundial e que representa encargos com amortizações anuais de cerca de 8,8 milhões de euros, fora salários, prémios de jogo e outras despesas associadas aos atletas enquanto funcionários do clube, sejam seguros ou contribuições para a Segurança Social. Se ainda considerarmos quanto custaram Herrera, Defour, Jackson Martinez, Quintero ou Ghilas, percebemos facilmente que temos um plantel caríssimo, muito mais do que aquilo que seria desejável.

Mais, devemos também pensar de onde vem todo o dinheiro gasto nestes atletas. Os milhões e milhões pagos em juros todos os anos, ajudam a explicar e ajudam a que tenhamos, cada vez mais, resultados catastróficos.

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    5 comentários

    1. O valor do Danilo não está correcto. O jogador custou 13M e não os 17,6 apresentados.

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      1. O passe do atleta Danilo custou, de facto, 13 milhões. Todavia, para os efeitos na contabilidade a que o post diz respeito, ao preço do passe do atleta, deve acrescentar-se as comissões pagas a empresários e o prémio de assinatura devido ao atleta, o que dá os tais 17,6M€. O mesmo critério foi utilizado na valorização dos outros atletas. O problema é que a CS dá destaque a uns e não dá a outros casos.

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    2. "fora salários, prémios e outras despesas associadas aos atletas", esta frase juntamente com o valor errado estão a enganar quem lê o texto quando crio que o objectivo do mesmo seja elucidar-nos.

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      1. O único lapso do texto é a frase que citas não estar mais desenvolvida. Essa frase representa as despesas associadas aos atletas enquanto funcionários do clube, sejam salários, prémios de jogo, impostos e contribuições (tipo segurança social) e outras despesas associadas ao atleta enquanto funcionário do clube: seguro de acidentes de trabalho, uma viatura que o clube ponha à disposição do atleta, etc. Aliás, uma breve análise ao relatório e contas demonstra que os valores que eu incluí na minha análise, referentes, pelo menos ao Reyes, ao Alex Sandro e ao Mangala incluem comissões e prémio de assinatura. De qualquer forma vou tornar o post mais claro, para evitar confusões.

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